quinta-feira, 22 de maio de 2014

POR DENTRO DE UMA OBRA: MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD

MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - Le Quai aux fleurs
Óleo sobre tela - 100,3 x 144,8 - 1875

Os últimos leilões de arte com obras do século XIX, realizados pela prestigiada Casa de Leilões Sotheby’s, tem causado muito frissom. O último deles, realizado no dia 9 de maio desse mês, trouxe uma comoção especial e tinha motivos para ser esperado com ansiedade. Dentre os muitos lotes oferecidos para serem leiloados naquele dia, um deles, em especial, merecia uma atenção diferenciada por parte de vários colecionadores. Tratava-se da obra “Le Quai aux fleurs”, pintada por Marie-François Firmin-Girard. Um óleo sobre tela datado de 1875. A comoção e ansiedade criadas em torno do lote a ser leiloado foram confirmadas quando o martelo bateu sobre o último lance oferecido: a obra entrou no leilão com estimativa inicial entre 300 e 500 mil dólares e foi vendida por nada menos que mais de 3 milhões de dólares. Mais uma vez comprovando o quanto a arte figurativa, especialmente realista e dentro dessas tendências, vem retomando um carinho especial por parte de vários colecionadores em todo o mundo.
Medindo 100,3 x 144,8 cm, a tela tem mesmo uma espécie de fascínio. Alcançou sua cifra de valores com todos os méritos e consolidou a carreira de Firmin-Girard, que ainda não havia conquistado a evidência merecida.



No decorrer da década de 1870, os trabalhos produzidos por Firmin-Girard para o Grande Salão de Paris seguiram as mesmas tendências de mudança no gosto do público, saindo das tradicionais cenas históricas e mitológicas, para temáticas com influências japonesas e orientalistas. Muitas dessas composições colocaram o artista em evidência e lhe renderam os primeiros elogios, mas, foi Le Quai aux fleurs, inscrito no Salão de 1876, que veio lhe permitir conquistar de vez o cenário internacional. A composição, uma tomada panorâmica feita ao longo do Quai de la Corse, em Paris, retratou com fidelidade o que foi durante muito tempo, um tradicional mercado de flores da cidade. Era um dos pontos mais badalados no auge da Belle Èpoque francesa.



Magistralmente emoldurado, o quadro ganhou um lugar de destaque bem em frente à entrada do Grande Salão daquele ano. Firmin-Girard deixou escrito posteriormente em uma carta: “A multidão que estava continuamente aglomerada em frente ao meu quadro era tão grande, que nem mesmo eu consegui chegar perto dele”. Tal afirmativa não é exagero, jornais da época também notificaram que a polícia teve trabalho em fazer o fluxo de admiradores circular em frente ao quadro, evitando os tumultos frequentes que foram provocados logo na entrada do Salão.



Ricamente detalhado e densamente povoado em todos os espaços, o quadro nos convida a admirá-lo incansável e cuidadosamente, repetidas vezes. Estão representadas todas as construções locais, com detalhes que impressionam e extasiam. É possível ver, ao longo da margem esquerda do Sena, o Tribunal de Comércio, o Posto l’Horloge e as duas tores de la Conciergerie (que hoje se tornou o Palácio da Justiça). Pelo lado direito do rio, um pequeno trecho do Théâtre du Châtelet, com uma pequena colunata do Museu do Louvre e ainda trecho do Pavilhão das Flores, bem à distância. Todo o quadro é uma ode ao bom gosto e refinamento.



Não foram medidos elogios para o trabalho. Quase todos os jornais e periódicos dedicaram matérias especiais a ele, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Algumas matérias iam além, tentando decifrar cada personagem representado na composição de Firmin-Girard. Quem seriam os membros daquelas elegantes famílias burguesas, elegantemente vestidas? Bebês com suas babás, motoristas de carruagens, guiadores com seus carrinhos de mão, vendedores de flores... Ninguém escapava aos comentários ávidos dos repórteres e críticos da época. Atente para um vendedor de bebidas, bem ao centro da composição, que oferecia uma espécie de refrigerante de alcaçuz e limão e era muito comum na Paris daquela época. Eram vendedores ambulantes muito criativos. Firmin-Girard deve ter feito uma pesquisa minuciosa com vários deles para elaborar a sua tela. Esse vendedor, em especial, além de trazer à sua cintura as tradicionais taças de prata para oferecer a bebida, também sustentava uma espécie de estátua dourada com um relógio, que o deixava facilmente reconhecível em meio à multidão.



As flores então são um atrativo à parte. Firmin-Girard não mediu esforços e conseguiu coloridos e matizes dos mais variados em todas as espécies de flores ali representadas. Alguns escritores de jornais chegaram mesmo a comentar que a obra parecia excessivamente detalhada, mas se rendiam ao grande impacto que o conjunto da obra causava a todos. As grandes obras de arte da humanidade são pintadas com a alma. Não temos a menor dúvida que Firmin-Girard se faz presente em seu trabalho, imortalizando-se ali em cada pincelada. O trabalho não teve nenhuma premiação no Salão daquele ano, mas essa obra viria a conquistar Medalha de Bronze na Exposição Universal de 1900. A obra foi adquirida pelo colecionador americano Theron Butler, por 85 mil francos. Depois de passar por mãos de outros colecionadores a obra veio finalmente a ser leiloada no início desse mês, atingindo o valor recorde para um trabalho do artista.



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Marie-François Firmin-Girard nasceu a 29 de maio de 1838, na aldeia de Poncin, região de Ain, na França, e faleceu na cidade de Montluçon, região de Auvergne, também na França, aos 83 anos de idade, em 1921. Iniciou seus estudos com o suíço Charles Gleyre e mais tarde recebeu ótimas orientações com Jean-Léon Gérôme, o grande mestre acadêmico de cenas orientalistas e pinturas históricas. Iniciou sua participação no Salão de Paris em 1859, com uma impressionante imagem de São Sebastião. Com um prêmio que recebeu em 1861, na Competição de Roma, conseguiu recursos financeiros para montar seu próprio estúdio no Boulevard de Clichy, em Montmartre. Como muitos artistas de sua época, teve um período com forte influência da arte de gravuras japonesas, vindo a se inspirar nelas para muitas de suas composições. La toilette japonaise, por exemplo, foi exibida no Salão de 1873. Durante cerca de 30 anos, Firmin-Girard conseguiu que suas obras entrassem para o Salão de Paris. Seus últimos anos de vida foram mais reclusos e pouco se sabe sobre eles.

OUTROS TRABALHOS DO ARTISTA:


MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRRARD - Le jardin de la marraine
Óleo sobre tela - 101,6 x 69,2 - 1875

MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - Outono no mercado em Les Halles
Óleo sobre tela - 83 x 117

MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - O toilette japonês - Óleo sobre tela - 1873

MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - Colhendo flores - Óleo sobre painel


6 comentários:

  1. Gostei imensamente do artigo.
    Texto claro, descrição detalhada e bem cadenciada.
    Parabéns mais uma vez, mestre amigo.
    Um abraço grande desde aqui. Luz e paz.

    S. Quimas
    Artista plástico, designer e escritor.
    https://www.facebook.com/SQuimas

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    1. Olá, Quimas!
      Gosto imensamente de suas visitas e de sua participação.
      Luz e muita paz aí também!
      Grande abraço!

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  2. Estas cenas são paralisantes, admiro muito os trabalhos deste grande Artista, cenas de Paris sempre tem um charme diferente.... belíssima matéria.
    Bom final de semana Amigão!

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    1. Paralisantes... Taí um adjetivo especial para todas as cenas da Belle Èpoque francesa.
      Obrigado, Vidal. Abraço grande, meu amigo!

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  3. Adoro os trabalhos do artista Marie-François Firmin Gerard. A sensibilidade e delicadeza na
    finalização em seus trabalhos é sensacional. E o texto como sempre, divino!

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    1. Sim, trabalhos muito primorosos, de um artista que vem conquistando uma exposição melhor nos meios de comunicação.
      Grande abraço, Neide!

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