sábado, 30 de julho de 2011

POESIA DA VIDA

JOSÉ ROSÁRIO - Estrada com leiteiro
Óleo sobre tela - 50 x 70 - 2011 - Acervo de Darcy Maria Gasparetto
A tradição agropecuária insiste, sobrevivendo
a tudo que o progresso engole.

Muitas pequenas cidades e até mesmo grandes centros que dependem, em sua maioria, de uma fonte de renda principal, tornaram-se vítimas em potencial da atual economia globalizada. Falo isso por experiência própria. Moro num município que depende, em sua maior parte, do extrativismo vegetal, com ênfase para o reflorestamento de eucalipto. Não há uma garantia que o carvão produzido aqui seja aproveitado pelas siderúrgicas, como havia no passado.
Com as empresas trocando de donos em questão de minutos, cambiadas em ações que não tem mais pátrias, perdeu-se o compromisso social, conquistado duramente em pequenas parcelas, através de décadas. Um grupo empresarial que compra um investimento hoje e não tem lucros com ele amanhã, não pensa que no fechamento de tal investimento fracassado, estão envolvidas milhares de histórias de vidas, planetárias à vida daquela cidade, daquela região...
Deixo abaixo, um poema que narra tão claramente esse curso na história de minha cidade. Somente morando aqui, há muito tempo, a escritora teceria as frases com tanta lucidez. Penso que a nossa história se pareça com a história de muitos.

POESIA DA VIDA
(Liana Araújo Caporalli)

As serras guardaram a história, os sonhos, o futuro.
Também, porque buscar além,
No mundo estranho e hostil,
Paz, fartura, o amor que gera a vida, se aqui
Entre serras verdes, águas tranqüilas, azuis,
A vida escorre mansa, e os sonhos são pequenos?
E o tempo passa, e o povo cresce,
E nas tardes calorentas,
Assuntos de família são temática obrigatória,
Na assembléia das cadeiras à beira das calçadas.

E porque então, como num instante mágico,
Os sonhos se transmudam em ideais incertos?
Vender a terra, deixar o arado,
A roça de esperança, a paz já tão antiga
Que os velhos rememoram com o olhar embaciado...

Mas o progresso veio, e quer sempre mais terra,
Quer mãos para o eucalipto e sangue no carvão.

Como esquecer que um dia, diante dessa miragem,
O povo se perdeu em devaneios tais,
Nessa ilusão que a vida podia ser melhor
Que a grande CIA era um colo de mãe,
E milho, feijão, arroz por si já não bastavam,
E era preciso mudar, buscar um novo dia,
O povo queria vida, festas, alargar horizontes.
E a CIA era isso, novo sol que nascia,
E que tragava a todos nessa louca ilusão.

Mas “era um dia comum e virou festa.
A gente põe nas coisas as cores que tem por dentro

Que cores nos restaram do amanhecer distante,
Que sombras nos assombram
Nos cantos da cidade,
Onde o povo se aninha e espera só o pão...


A alma de Dionísio se dilui nas estradas
E busca agora, aflita, a paz que se perdeu.  



                                    Foto: José Rosário           

As matas de minha cidade foram perdendo,
progressivamente, espaço para o eucalipto
que se transforma em carvão e celulose.
Atualmente, mais de 55% do território do município
estão reflorestados com eucalipto. Outros
35% dividem-se entre pastagens e plantações.
As matas nativas vão sendo engolidas lentamente.

6 comentários:

  1. Antônio Dias, obrigado pela visita e pelo elogio. Abraço!

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  2. Grande texto.
    Parece que temos mais um ponto de vista em comum, não sei se você chegou a ler um post meu, O Progresso, em que falo mais ou menos isto sob um outro prisma.
    http://macariocampos.blogspot.com/2010/09/o-progresso.html
    Obrigado, mais uma vez, por esta lucidez.
    Abraços,

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  3. Macário, não havia visto aquela sua matéria sobre o progresso, e fico feliz que pareça existir uma mente cósmica coletiva, concatenando as pessoas de bem.
    Aquele poema da Liana, achei guardado desde 1997, para ver como a realidade não muda muito. Temo pelo pior, mas, acredito que o mundo ainda tenha jeito.
    É preciso crer em algo bom, sempre!
    Abraço!

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  4. É triste ver o verde se desfazendo a olhos vistos e o que é pior, com a conivência de todos nós.
    Esse teu cantinho passou a ser pra mim como um carinho na alma. Me deleito com seus quadros e me encanto com as poesias. Ganho em informação, retribuo em admiração. Um bj carinhoso.

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  5. Obrigado Cinha, carinhosa é a sua visita!

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