quinta-feira, 24 de março de 2011

LUIZ PINTO (José Rosário)


É bem provável que a maior parte dos paisagistas mineiros tenha sido influenciada direta ou indiretamente por Edgar Walter, e este, por sua vez, tenha tido uma grande influência de Batista da Costa, citado em matéria anteriormente. Muito mais do que precursores de um tema que não se realizava com muita freqüência por aqui, esses mestres souberam analisar e interpretar as cores da paisagem brasileira, e tirar dela uma identidade peculiar, percebida em suas obras e nas obras de todos aqueles que os seguiram. E isso se constata na primeira observada.

Criança bebendo água
Óleo sobre tela, 50 x 62, 1983

Cena de roça
Óleo sobre tela, 90 x 130, 1983

Natureza morta
Óleo sobre tela, 52 x 70, 1983

Não é todo mundo que tem a honra de ter como mestres Edgar Walter e Guinard, provavelmente os maiores ícones da Pintura Mineira. Luiz Pinto teve essa honra, e soube muito bem tirar proveito dela. Mas, a influência dos mestres, inevitável no início de carreira, foi cedendo espaço, na obra de Luiz Pinto, para uma maneira bem própria de interpretar e executar seu trabalho.

Cavalos no cocho
Óleo sobre tela, 70 x 100, 2004

Paisagem com ipê florido
Óleo sobre tela

Paisagem rural
Óleo sobre tela, 50 x 100, 2004

Inicialmente sua paleta possuía tons clássicos e as pinceladas executadas numa linha mais acadêmica, como fica comprovado em algumas imagens aqui representadas. Essas características foram se transformando solidamente numa representação mais contemporânea, com atenção voltada ao uso da luz como guia, e pinceladas mais esquemáticas e incisivas. Há um corte diferente no jeito de fazer o trabalho, preocupando-se muito mais com a mistura ótica das cores, do que necessariamente com suas misturas na paleta, o que confere ao artista uma fatura única e exclusiva. Certamente, a prática da pintura ao ar livre tenha direcionado para esse caminho.

Paisagem
Óleo sobre tela, 70 x 100

Encosta com cavalos
Óleo sobre tela

Tropeiro, fim de tarde
Óleo sobre tela

Luiz Pinto nasceu em Sete Lagoas, no ano de 1939. Entre as décadas de 60 e 80, realiza trabalhos como desenhista arquitetônico, desenhista publicitário, ilustrador e diretor de arte em diversas agências publicitárias de Belo Horizonte. É à partir da década de 80, quando começa a freqüentar o ateliê de Edgar Walter, em Petrópolis, que define a sua temática principal voltada para paisagens.

Paisagem
Óleo sobre tela

Manhã de sol
Óleo sobre tela

Fazenda Santa Maria
Óleo sobre tela, 70 x 100, 2006

No suceder dos anos seguintes, uma série de exposições individuais e coletivas, como vários salões, se tornaram rotina em sua vida. Muitos prêmios e honrarias foram concedidos a ele com o maior mérito. Uma viagem a Europa na década de 90, fez aprofundar o estudo de grandes mestres do passado em vários museus e galerias.

Piquenique na praia
Óleo sobre tela, 70 x 100, 2004

Mesa com vinho e queijo
Óleo sobre tela, 70 x 100, 2004

Mesa com flores na praia
Óleo sobre tela, 80 x 60, 2005

Como bom mineiro, aprendeu desde cedo a observar e se encantar pelas paisagens de sua terra natal, tanto que é esse tema, o cartão de visitas de sua obra. Mesmo com pinceladas bem soltas e diluição marcante da imagem, a obra de Luiz Pinto ainda conserva um forte senso de realismo, que convida imediatamente a penetrar nela.


Mesa com vinho e peixe                                                     Cadeira azul
Óleo sobre tela, 70 x 50, 2004                                             Óleo sobre tela, 90 x 70, 2005 


LUIZ PINTO - Colheita de maçã - Óleo sobre tela - 80 x 100

Alguns outros temas se tornaram, também, a sua marca. Mesas muito bem postas para uma lanche ou um piquenique. Talvez uma comemoração ou o refinado acompanhamento de um encontro. Estão em locais serenos e são compostas assim, pra dizer a todos nós que a vida precisa de momentos de pausa.

Casebre na beira do riacho
Óleo sobre tela, 70 x 100, 2002

Velho casarão
Óleo sobre tela, 50 x 70, 2006

Igreja do Rosário
Óleo sobre tela, 40 x50, 2006

Luiz Pinto é, sem dúvida, uma referência segura de muitos artistas da atual geração. Jovens que colocam cavaletes às costas e saem à busca de temas ao natural. Como se a Escola de Barbizon tivesse uma filial por aqui, e ele, Luiz, encarnasse perfeitamente a figura de um Daubigny, Millet, Dupré ou Corot.


Canto no jardim                                                                 Descanso
Óleo sobre tela, 80 x 60, 2005                                             Óleo sobre tela, 100 x 70, 2005
 


LUIZ PINTO - Marinha - Óleo sobre tela

“O artista tem uma preocupação com as cores, não somente ao reproduzir o tom certo do que está pintando, mas procura transmitir prazer para quem olhar a obra. A composição é agradável e nos transporta a um ambiente bucólico e calmo, fazendo com que queiramos participar dele. Suas mesas postas com vinhos, queijos, frutas e flores estão à espera dos convivas.
Estuda a luz intensa do meio dia e as sombras que produz. Gosta dos amarelos, azuis, roxos... As águas recebem um reflexo colorido. Quanto à composição, ela é correta e tem equilíbrio de forças. Quando pinta a paisagem estuda cuidadosamente os verdes e seus volumes, a perspectiva do casario. Ao fixar o vinhedo, alonga a vista para o infinito em diversos planos, onde cada um recebe o tom certo.”
Ruth Sprung Tarasantchi

Praia com crianças
Óleo sobre tela, 70 x 50, 2006

Luiz Pinto faleceu em 23 de agosto de 2012,
bem depois da publicação dessa matéria.


PARA SABER MAIS:

sexta-feira, 18 de março de 2011

MARIPOSA (José Maria Honorato)

Ela voou porta adentro
Sorrindo de minha ânsia
Trouxe cores de minha infância com o orvalho
De saudades daquela rua descalça.
Atirei o pau no gato,
Mas o gato tocou meus ombros,
Minhas mãos arrombou
Gatunou meus passos,
Robou-me a fome,
Arrepiou meus pelos.
Revoou meus pensamentos.

Diante de mim dançou e pousou sobre o lençol
Fui ao Itororó beber água e não achei,
E colei bandeirolas no leilão de maio.
Minhas palavras engoliu, meus olhos irritou.
No pique esconde,
Escondeu-se no dobrado da banda,
Jogando amarelinha, não dissolveu em palavras,
Possuiu-me.

Deixou-me soluços,
Sou bandido, sou mocinho de vassouras,
Não me quis poeta.
Seu hálito ventou amoras roxas sobre bolinhas de gude,
Que teceram meu sangue.
Enganou minha mãe mergulhando no ribeiro doce,
De brincadeiras peladas e girinos.
Tropeçando sapatos, por detrás da porta,
Recostou-se a mim, abduziu-me.
Bebeu o ar, e sua trilha sonora tocou meu rosto,
Sem dizer seus nomes.
Caí no poço...

Apertou meu coração, não conversou comigo,
Não falou de amor, passou anel.
Sem tocar nas dores,
Com atiradeira revolveu minha biografia,
Estampou paredes com pedaços de retratos desbotados.
Voou sorrindo porta adentro de minha infância,
Levando nos olhos,
Gotas de orvalho de saudades,
Daquela rua descalça.
STEVE HANKS
Nas sombras do passado se faz o futuro
Aquarela
Coleção particular

domingo, 13 de março de 2011

INHOTIM (José Rosário)

Em um banco feito com tronco de árvore. Uma
das muitas gratas surpresas do Jardim Botânico no
Instituto Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais.

Estreiteza de pensamento é condição natural a todas as pessoas que se deixam conduzir pelo preconceito. Por alguma falta de habilidade auto-imposta de ver a coisa tal qual ela é, o mundo diminui e a vida se torna tão pequena, que qualquer horizonte, o mais simples possível, se torna algo distante, uma miragem que desfoca e se perde.
Devo admitir que sempre tive uma resistência para certas “novidades” que a Arte Contemporânea nos “empurra”. Alguns exageros, todos convenhamos, não são estreiteza de pensamento de quem observa, mas estreiteza de criação mesmo, modismos financiados, que não passam disso, produtos de moda. E como todas as modas, temporários (graças a Deus).
Recebi um convite de amigos; Laércio e Ivone; para conhecer o Museu Inhotim, em Brumadinho, aqui mesmo em Minas Gerais. A cidade não está entre as mais populosas e muito menos entre as mais potencialmente econômicas do estado, mas se descobriu, pela iniciativa de mentes bem “abertas”, numa ótima maneira de se fazer perceber.


ALGUMAS VISTAS DO JARDIM BOTÂNICO






O Instituto Inhotim foi idealizado e criado pelo empresário Bernardo Paz, em meados da década de 80, e já não é apenas uma atração da cidade de Brumadinho, é essencial para ela. É certamente a maior referência da Arte Contemporânea, no Brasil. Oxalá não seja uma das melhores referências no mundo. Está pelo menos entre as dez, seguramente. Um local para deixar a resistência à expressões contemporâneas bem longe. Lugar certo para abrir horizontes. É que em qualquer setor da Arte, há pessoas que realmente se propõe fazer algo para acrescentar, e não apenas somar ou virar estatística.
Diversas galerias e um jardim botânico impecável estão espalhados numa área de 97 hectares, abrigando mais de 500 obras de artistas nacionais e internacionais. A concepção inicial do Jardim Botânico foi de Roberto Burle Marx, nome mais que respeitado no paisagismo brasileiro. Porém a concepção original já sofreu alterações, até porque plantas crescem e morrem, e isso em si, já é uma condição nata de mudança. Sem contar a inserção de diversas outras espécies, que aconteceu até o presente momento. Tudo lá é grandioso, no sentido mais original da palavra. Um ótimo lugar para medir seu nível de preconceito em relação a segmentos da Arte. Para os que insistem em manter “mentes estreitas”, aí vai um conselho, fiquem de fora. Ou então, estejam abertos a novidades e mudanças, quando por lá estiverem.
Uma das características da arte atual é a dimensão avantajada (quase exagerada) de grande parte das obras. É que as “instalações”, maneira mais comum de agrupar objetos, encontrada pelos artistas atuais, ocupa geralmente grandes áreas. O que se conclui que um museu que se proponha expor apenas Arte Contemporânea deva ter uma área bem generosa. O que não é problema no Museu Inhotim. Só para se ter uma ideia, algumas obras ocupam, sozinhas, galpões imensos. Alguns galpões, aliás, já são a obra de arte em si. Isso, quando a obra não fica literalmente a céu aberto.


MAIS ALGUMAS VISTAS DO JARDIM BOTÂNICO






Percebe-se nitidamente em Inhotim que a qualidade e organização de tudo são itens levados à risca. Uma aula na qual muitas instituições, ditas “tradicionais”, faltaram. Isso contribui, e muito, para que as obras ali expostas, organizadas numa condição especial, consigam se expressar e se fazerem entender com mais nitidez.
Um serviço de transporte interno pode levar o visitante a qualquer ponto do grande espaço que ocupa o instituto. Mas a melhor maneira de assimilar toda a proposta do lugar é caminhar. Chegamos bem cedo e percorremos todos os principais pontos até o fim da tarde. Preparo físico ajuda. Em vários pontos é possível encontrar lanchonetes e sanitários. Tudo muito bem estruturado, por sinal.
Há que se ressaltar também o projeto de inserção da população da cidade e região, constituindo uma sólida proposta de inclusão e cidadania, modelo para muitas outras instituições, que esquecem que o produto final de qualquer manifestação artística é o próprio homem, procurando-se melhorar e progredir.
Minas Gerais, com uma tradição reconhecida em preservar centros históricos, abre espaços também para divulgação e preservação de expoentes da Arte Contemporânea, de primeiro nível. Cabe a cada um de nós, avaliar e fazer suas escolhas, respeitando a existência de novos canais de expressão e convivendo com eles. Tudo que não combina com Arte são “mentes estreitas” e fechadas a novos horizontes.


ALGUMAS OBRAS QUE FAZEM PARTE DO
ACERVO DO MUSEU INHOTIM


DOUG AITKEN - Sonic Pavilion, 1968
Construção em forma circular, que possui ao centro uma
uma perfuração com mais de 200 metros de profundidade,
com microfones instalados em profundidades diversas. Os
sons emitidos desses microfones são os sons emitidos
pelo movimento e deslocamento de placas ou acomodações
de terra. A concepção e execução dessa construção, no alto
de uma colina, foi de uma felicidade muito grande. Lava vulcânica
circula toda a construção, dando a impressão que um vulcão
jogou o prédio para fora. Lá dentro, com os "urros" intensos
que soam do buraco, essa impressão intensifica ainda mais.

CILDO MEIRELES - Através
Instalação, 600 x 1500 x 1500, Década de 80
Objetos dos mais variados possíveis compõem essa
instalação inquietante. Tem uma formação labiríntica, que desperta
uma experiência sensorial de descoberta. A obra quer mostrar as
barreiras da vida, e como são difíceis superá-las, mesmo
que estejam à nossa vista.


HÉLIO OITICICA - Penetrável quadrado mágico
Escultura, 1977
O carioca Hélio Oiticica, que nasceu e morreu no Rio, brinca com
a cor e cria objetos que proporcionam curiosas descobertas.


CHRIS BURDEN - Beam Drop 
Escultura, 2008
A concepção e execução dessa obra é no mínimo, audaciosa.
Um guindaste lançou 71 vigas em aço, a uma altura de 45 metros
em uma vala de cimento fresco, durante um período de 12 horas.
Está pronta uma das esculturas de maior dimensão do museu.
Fica a céu aberto, no alto de uma montanha.

EDGARD DE SOUZA - Átomos
107 x 70 x 47, 2000
Vivendo ainda em São Paulo, Edgard cria esculturas
de refinado equilíbrio.

ERNESTO NETO - Nave Deusa
Instalação, 500 x 950 x 690, 1998
Nave Deusa é uma das primeiras esculturas de Ernesto Neto
que nasceu da pesquisa por materiais que fizessem uma ligação
entre as concepções mais formais do Modernismo e uma visão
orgânica da Geometria. Aqui, a tensão e a gravidade dão a diretriz
por onde caminhar na obra. Em seguida, soma-se a transparência
e os vários aromas de especiarias, que aguçam ainda o olfato.

PAUL Mc CARTHY - Boxhead  
2001
Esse americano de Salt Lake City, nascido em 1945,
reside atualmente em Los Angeles.
Suas esculturas tem um aspecto cômico.

WALTERCIO CALDAS - Escultura para todos os materiais não transparentes
1985
Meio que perdidas em meio ao jardim, essas esferas não
conseguem passar despercebidas. É contemporânea, mas com
uma leitura bem construtivista da década de 50.

JANET CARDIFF - Forty Part Motet
Instalação sonora de 40 canais, cantada pelo coro 
da catedral de Salisbury, 2001
Thomas Tallis, compositor inglês do século 16, compôs 
Spem in Alium nunquam habui para a comemoração do aniversário 
da Rainha Elizabeth 1ª, em 1575. 
O moteto (um tipo de composição polifônica medieval) para 
oito coros de cinco vozes trata de humildade e transcendência, 
dois temas importantes para o compositor católico numa época em que 
a fé católica era reprimida pelo Estado soberano da Inglaterra. 
A peça é conhecida como uma das mais complexas obras polifônicas 
para canto coral jamais compostas. Utilizando microfones individuais, 
Janet Cardiff gravou cada integrante do coral da Catedral de Salisbury,  
trabalhando com vozes masculinas – baixo, barítono e tenor – 
assim como com uma soprano infantil. Na instalação, 
a artista usa um alto-falante para cada voz, o que permite ao 
espectador ouvir as diferentes vozes e perceber as diferentes 
combinações e harmonias à medida que percorre a instalação. 
Janet Cardiff é uma das artistas mais prolíficas de uma arte 
que se vale da tecnologia de ponta. Seu trabalho emprega 
diversos meios expressivos, abrangendo vídeo, 
instalação e gravação de som.

TUNGA - True rouge
Instalação, 1315 x 750 x 450, 1997
Pernambucano de Palmares, nascido em 1952, Tunga cria em True rouge
uma obra que choca no primeiro momento. Usando de diversos
materiais (redes, madeira, vidro soprado, pérolas de vidro, tinta vermelha,
esponjas do mar, bolas de sinuca, escova limpa-garrafa, feltro e
bolas de cristal) e ocupando uma grande área numa das galerias
mais imponentes de Inhotim, é uma obra que permite a cada um,
interpretações individuais.


JOHN AHEAM E RIGOBERTO TORRES - Abre a porta 
Tinta automotiva sobre fibra de vidro, 530 x 1500 x 20cm
2006
O americano John Aheam e o portorriquenho Rigoberto Torres
assinam "Abre a porta". Acredito que seja a obra na qual os visitantes
mais se identificam logo de início.


YAYOI KUSAMA - Jardins de Narciso
500 esferas de aço inoxidável flutuando soltas, 1966
Nessa nova versão da escultura-chave de Yayoi Kusama, de 1966, 
500 esferas brilhantes de aço inoxidável flutuam nos espelhos d'água 
da cobertura do recém-inaugurado Centro Educativo Burle Marx, em Inhotim. 
Esta obra matricial da arte feminista é uma escultura em 
grande formato que, no entanto, se desmaterializa, 
movendo-se organicamente em reação ao vento 
e refletindo a natureza ao seu redor.
Muito legal essa relação homem e espelho. Todos temos
um lado Narciso. Muitos evitam confronta-lo.



PARA CONHECER MAIS: