segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

CO-RESPONSABILIDADE CULTURAL (José Rosário)

SIR LAWRENCE ALMA-TADEMA - Escultores da Roma antiga
Óleo sobre tela

O patrimônio cultural de um povo não é apenas o número de monumentos ou as obras que o mesmo conseguiu conservar. Esses, aliás, são os produtos que atestam a prática cultural de cada nação. Muito antes de produzir algo, há a vontade inerente a cada indivíduo de querer produzir algo. É desse desejo que sobrevive a cultura de uma população.
Promover e divulgar cultura é uma prática espontânea e única de cada indivíduo. Ninguém impõe cultura a ninguém. Há que estar aberto interiormente para que a prática se torne real. E a manifestação cultural acontece das maneiras mais diversas possíveis e pelos mais diversos canais.

SIR LAWRENCE ALMA-TADEMA - Um amante da arte romana
Óleo sobre tela

Há o artista, o primeiro instrumento que torna a obra perceptível, seja por uma forma física ou não. Uma música não é uma obra palpável, como é uma escultura, mas nasce igualmente da genialidade e doação de quem a compôs. Há também o comerciante de arte, que socializa e torna acessível ao maior número de pessoas, um produto produzido pelo artista. Uma gravadora não grava única e exclusivamente para ganhar dinheiro, ou pelo menos não deveria, mas também porque acredita que naquele produto, um pedaço de história se fará realidade. Se isso não acontecer, a obra não sobrevive. Um marchand não é apenas alguém que a rigores contábeis se lança a vender produtos. Antes, porém, deverá estar em sintonia com o produto que expõe. É perceptível quando há uma proposta sincera em alguém que se propõe a vender arte e promover cultura. Há, finalmente o consumidor do produto a ser oferecido, ou o público que acolhe tal manifestação artística, incorporando-a no patrimônio cultural a que está inserido.

SIR LAWRENCE ALMA-TADEMA - Uma leitura de Homero
Óleo sobre tela

Ocorre, por muitas vezes, que o produto oferecido não tenha vida longa, ou seja, não impõe como um patrimônio cultural a ser perpetuado. É o caso de muitas das músicas despejadas semanalmente no “comércio”, cuja finalidade é entreter momentaneamente o público “consumidor”. É um risco permanente para o patrimônio cultural de qualquer nação, ter como referência produtos voláteis e sem identidade própria.
Para que a cultura sobreviva e torne a identidade de um povo, todos são chamados a participar desse processo. Pode parecer pouco, mas é no dia-a-dia de cada um, que a cultura se perpetua. Uma simples cantiga de roda que passa de criança em criança, é um dos exemplos mais simples de como promover cultura, depende de muito pouco. Cada pessoa tem uma cota de responsabilidade em perpetuar a cultura do povo no qual está inserido, seja produzindo, divulgando e comercializando ou consumindo os produtos criados por ele.

Schopenhauer

Por que produzimos arte e por que a cultura precisa ser preservada?
Vou usar emprestado de Schopenhauer um raciocínio que considero dos mais belos para justificar o produto de arte e cultura, mesmo que ele seja considerado um dos filósofos mais pessimistas da história. Segundo Schopenhauer, nascer é o primeiro passo que damos para a morte. Cada dia é o degrau descido de uma escada que não tem mais retorno. Essa regra implacável vale para todos nós. Mas, mesmo em todo o seu pessimismo, Schopenhauer consentiu que há somente um fato que, se não impede a descida do degrau, pelo menos a paralisa por alguns instantes: é quando estamos envolvidos e completamente absorvidos por alguma manifestação artística. Seja por uma bela música, que nos invade e faz perceber outros lugares, ou diante de um quadro, um momento da história de alguém que nos quer mostrar. Pode vir na brincadeira de roda, eterno momento que uma criança não deixa escapar, ou na leitura silenciosa de um poema, que alguém escreveu com os sentimentos emprestados de cada um de nós, e parece ser carne de nossa carne. Schopenhauer conclui seu raciocínio, dizendo que se uma manifestação artística atinge e toca o maior número de pessoas possíveis, ela se torna parte daquele povo e vira uma identidade, um patrimônio cultural.
Portanto, que no andar apressado de nossos dias (preciosos degraus que não permitem volta) possamos nos dar o privilégio de, pelos menos, viver outras vidas dentro de nossas vidas. Esses sim, os maiores presentes que uma obra de arte pode nos dar. Sendo tocados por isso, também possamos tocar outras pessoas, para que a vida ligeira, descanse um pouco em cada descida de degrau. É essa, a única responsabilidade que a cultura nos pede.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ESCOLA DO RIO HUDSON (José Rosário)

THOMAS COLE - Manhã ensolarada no Rio Hudson
Óleo sobre tela, 47,6 x 64,1

Interessante como os movimentos artísticos acontecem. Mais interessante ainda, a maneira como eles se formam, tomam corpo, vida e modificam o mundo a sua volta. Geralmente há na liderança deles, uma mente como leme, quase a dizer: “É por aqui que vamos!”
O primeiro grande movimento propriamente nascido em terras norte americanas, teve como criador Thomas Cole, um artista inglês que bem jovem partiu para os Estados Unidos em 1818, e se instalou em Nova York, sete anos após a sua chegada no novo continente.


JOHN FREDERICK KENSETT - Vista do Rio Hudson
Óleo sobre tela

Da Inglaterra, Cole trouxe as influências de John Constable e William Turner, esses herdaram toda a maneira e tradição das clássicas paisagens de Claude Lorrain, tido por muitos como o pai do paisagismo romântico. Um grande ponto a favor de Cole era a vasta e exótica paisagem que ainda se mantinha intacta em solos ainda tão inexplorados. Florestas nativas, rios transparentes e límpidos, cadeias de montanhas imponentes e litorais com relevos dos mais variados. Esses são seguramente os ingredientes mais que necessários como características principais para o Romantismo. É na grandiosidade das monumentais cenas paisagísticas, o alicerce desse movimento.

ALBERT BIERSTADT - Sierra Nevada I
Óleo sobre tela, 98 x 144

Muito despretensiosamente, Cole começou a pintar vistas ao longo das margens do Rio Hudson*. Essas obras iniciais tiveram uma boa aceitação perante o público e ainda conseguiram atrair a atenção de jovens artistas que se tornaram adeptos do que veio a se denominar “Escola do Rio Hudson”. Há que se deixar bem claro que não era uma escola nos moldes convencionais da palavra, formavam um grupo vagamente coeso, que vez ou outra se inspiravam nas margens imaculadas do Hudson. Eram um grupo daquela região, mas não se limitavam àquela região. Viajaram para a Europa com a intenção de visitar lugares famosos da antiguidade e também se inspirar nos velhos mestres. Alguns chegaram mesmo a se aventurar por viagens às Américas Central e do Sul. E já quase no final do século XIX, muitos se embrenharam pela conquista do oeste americano, palco de paisagens ainda mais exóticas e únicas. Muitos desses artistas integravam expedições do governo, que faziam uma espécie de levantamento topográfico das terras americanas. Nessa fase, muitos deles já quase nem encontravam mais entre si, mas traziam no estilo e nos temas, o jeito hudsoniano de pintar.

FREDERIC EDWIN CHURCH - Coração dos Andes
Óleo sobre tela, 168,2 X 302,8

Um dos trabalhos símbolos desse grande movimento é “Espíritos afins”, pintado por Asher Brown Durand, que antes de pintar era um bem sucedido gravador. Na tela, Thomas Cole é retratado ao lado de William Cullen Bryant, um poeta das paisagens norte americanas. Os dois contemplam uma vista das montanhas Catskill, região que foi a mais retratada e popularizada por esse grupo. Durand presenteou Bryant com essa tela, um ano após a morte de Cole. Uma espécie de tributo ao poeta que fez tão comovente oração no funeral de Cole.

ASHER BROWN DURAND - Espíritos afins
Óleo sobre tela, 117 x 91,5

Homenagem feita em ocasião mais que propícia, pois o fato sensibilizou enormemente Bryant, que estava na liderança de um movimento para a criação em solo americano, de um grande parque público, nos moldes dos parques europeus. Por volta de 1850, diversas outras obras de Durand, somadas à força do movimento liderado por Bryant, trouxeram comoção suficiente ao público de Nova York em prol da construção do tão desejado parque. Assim nasceu o Central Park, o primeiro grande parque americano construído na tradição anglo-chinesa de modelo, ocupando um lugar privilegiado no coração de Nova York.

WILLIAM TROST RICHARDS - Paisagem de White Mountain
Óleo sobre tela

Fatos assim deixam transparecer a grande utilidade que se esconde por trás de simples atos e como esses atos se transformam em grandes movimentos. Figuras tão importantes na História da Arte, totalmente desconhecidas por muitos da nossa geração, até mesmo por artistas.

GEORGE INNESS - Passagem de nuvens
Óleo sobre tela, 50,8 x 76,2

Ao longo de sua existência como movimento, vários outros artistas integraram a lista do grupo. Impossível não citar nomes como Albert Bierstadt, Frederic Church, John Frederick Kensett, Martin Johnson Heade, George Inness e Jasper Francis Cropsey. Todos são dignos de uma matéria especial em ocasião futura.

JASPER FRANCIS CROPSEY - Paisagem de outono ao longo do Hudson
Óleo sobre tela - 1876

À partir da segunda metade do século XIX, como aconteceu em diversas regiões do mundo, uma mudança na maneira de como representar a luz nos trabalhos, também influenciou significativamente os integrantes do grupo. Nos primeiros adeptos desse novo olhar sobre a arte, deu-se mais recentemente, o nome de “luministas”. Mais tardiamente, outros integrantes de experimentos mais ousados, ligados ainda à Escola do Rio Hudson, engrossaram a lista dos “impressionistas”. Essa sim, uma longa história para muitas outras matérias.

WOTHINGTON WHITTREDGE - Caçando corvos
Óleo sobre tela, 100 x 142

* RIO HUDSON - Nasce em Lake Tear of the Clouds, Adirondack Mountains, estado de Nova York, a 1309 metros de altitude e deságua no Oceano Atlânico, na fronteira entre os estados de Nova York e Nova Jérsei, tendo um comprimento total de 507 km. Em tempos atrás, já chegou a ter uma profundidade de 200 m, hoje devido ao progresso desenfreado e constantes assoreamentos, não tem profundidade maior que 50 m. A característica principal do rio é a sua cor bem escura.

ARTHUR PARTON - A Mountain Brook
Óleo sobre tela, 133,3 x 102,8

sábado, 19 de fevereiro de 2011

ALGUNS LIVROS (José Rosário)

Felizmente estamos começando a ter, aqui no Brasil, bons lançamentos direcionados à Arte. Ainda em passos bem lentos se comparados ao mercado americano e europeu, mas, antes tarde do que nunca. Melhorou também a qualidade do material publicado, não só a nível editorial, mas em termos de conteúdo.
Em toda viagem que faço, gosto de garimpar livros de Arte. Além do investimento cultural, vem também embutido o enorme prazer que é vivenciar e fruir os trabalhos daqueles que são sempre boas referências. Isso pra não citar o grande número de técnicas e experiências, desenvolvidas por pessoas de lugares tão distintos. Outro dia me surpreendi com o que encontrei em um sebo tradicional de Belo Horizonte, uma antiga edição de Gustavo Dall’Ara, por quem aprendi a ter um enorme respeito e admiração.
Deixo abaixo, alguns exemplares que achei pelas minhas andanças. Alguns nacionais e outros importados. Se tiver oportunidade em adquiri-los, terá feito um ótimo investimento.

VISTAS E PAISAGENS DA ENSEADA DE NITERÓI
Jorge Roberto Silveira
Casa Jorge Editorial

Excelente edição nacional, que tem não só belas imagens,
como texto muito bem desenvolvido.

PEDRO WEINGÄRTNER
Textos de diversos autores
Publicação  da Pinacoteca do Estado de São Paulo,
Museu Nacional de Belas Artes e Museu de Arte
do Rio Grande do Sul - Ado Malagoli

Esse artista já merecia uma obra desse porte já fazia tempo.
Mais uma edição nacional, que prima  em diversos aspectos.
Uma única ressalva vai para a encadernação escolhida,
mas não compromete em nada os objetivos do livro.

CHILDE HASSAM - American Impressionist
Diversos autores
The Metropolitan Museum of Art and
Yale University Press

Quando se admira enormemente um artista, corre-se o risco
de elogios bastante clichês. E como admiro a trajetória
desse artista! Um dos mais bem sucedidos impressionista dos
Estados Unidos numa publicação referente a uma grande
retrospectiva de suas obras, realizada no Museu Metropolitano
de Arte, em Nova York.

DRAMATIZE YOUR PAINTINGS WITH
TONAL VALUES
Carole Katchen
North Light Books

Sempre tive um pé atrás com edições que tenham uma proposta de
receitas prontas. Essa edição veio exatamente me contestar e confirmar
que o preconceito é sempre uma péssima referência.
A autora americana analisa tecnicamente os trabalhos de
20 artistas e nos mostra o quanto os contrates tonais são
importantes em uma obra de arte.

MANUAL DO ARTISTA
Ralph Mayer
Editora Martins Fontes

Uma das publicações mais completas sobre a parte técnica
do fazer arte. Desde que o adquiri, tornou-se um livro de
cabeceira. Essencial na vida de qualquer artista.
Pontos para a Martins Fontes, que tem investido bem
nessa área.

*****

GALLERY ART BRAZIL II
ART GALLERY IN BRAZIL - Vol 3
José Carlos Gomes
Editora Art Club

Participei dessas duas edições da Editora Art Club,
com 6 páginas em cada uma. A edição desse ano já
está em fase final de acabamento.
                        
*****                 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

JOÃO BATISTA DA COSTA (José Rosário)

JOÃO BATISTA DA COSTA - Rio Piabanha, Petrópolis, 
Óleo sobre tela, 55 x 66

JOÃO BATISTA DA COSTA - Manhã de sol, Petrópolis
Óleo sobre tela, 35 x 46

JOÃO BATISTA DA COSTA - Paisagem em Petrópolis
Óleo sobre tela

Já se passaram quase 85 anos desde a morte de João Batista da Costa, referência no meio acadêmico e uma das figuras mais influentes na história da pintura propriamente dita “brasileira”. O que ficou de história e mito, o passar dos anos só faz aumentar, e é assim mesmo que surgem e se formam as grandes figuras.
Parece até uma tradição na História da Arte Universal, transformar grandes artistas em grandes mitos. Em parte por parecer que uma história romanceada com dramas e tragédias, venha qualificar ainda mais o trabalho de quem a fez, embutindo maiores valores financeiros às obras produzidas em tão deturpada vida. Também, não só pelos grandes profissionais que foram, mas principalmente pelos afetos e desafetos do destino, e muito mais pela garra e convicção com que abraçaram aquilo que era o motivo maior de suas vidas. Negando a si próprios em busca de uma perfeição inatingível, trilharam por aí grandes nomes. É com certeza uma injustiça não citar todos, mas, injustiça maior é não citar pelos menos o holandês Van Gogh, e aqui bem perto de nós, o Aleijadinho, ambos com sérias limitações e dedicação completa à Arte.

JOÃO BATISTA DA COSTA - Poesia da tarde-1895
Óleo sobre tela, 73 x 126,3

JOÃO BATISTA DA COSTA - Paisagem em Petrópolis
Óleo sobre tela, 102 x 150

JOÃO BATISTA DA COSTA - A casa do Barão do Rio Branco em Petrópolis
Óleo sobre tela, 89,5 x 115,5

Com ingredientes em toda a sua vida que o colocam na categoria de um dos nossos maiores mitos, João Batista da Costa é discreto até nesse detalhe, como foi para tudo em toda sua vida.
Quando aos oito anos de idade, ele perdeu o pai e a mãe, e foi morar com alguns familiares, já sentiu que não teria nada fácil dali em diante. Mesmo ainda tão criança, não conseguiu se entrosar com os parentes, fugindo para o Rio de Janeiro, vindo bater exatamente às portas do Asilo de Menores Desamparados, que ainda funciona como Instituto João Alfredo, num velho casarão no bairro de Vila Isabel.
Uns dirão destino, outros dirão “dedo de Deus”, certo é que, como uma teia que abraça a todos e vai atando os nós certos nos lugares certos, não havia lugar melhor para que o garoto João Batista pudesse se aportar. Muito concentrado e dedicado desde sempre, logo se sobressai nas aulas de música, vindo rapidamente fazer parte da banda do asilo. Nas aulas de Desenho e Encadernação obteve ainda maiores sucessos, tendo o privilégio de ter sido orientado pelo artista Antônio Araújo de Souza Lobo. Não demorou muito, e esse artista, convicto do garoto prodígio que tinha em mãos, consegue com o apoio do Barão de Mamoré (Ambrósio Leitão da Cunha), uma vaga para ele na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1885.

JOÃO BATISTA DA COSTA - Casa e Capela de Antonio Raposo Tavares
Óleo sobre tela, 74 x 92

JOÃO BATISTA DA COSTA - Paisagem com dois meninos
Óleo sobre tela, 34 x 46

JOÃO BATISTA DA COSTA - Fazenda do Brejinho
Óleo sobre tela, 42 x 52

Não podia ter chegado lá em momento mais propício. Estuda pintura com Zeferino da Costa, faz Pintura Histórica com Rodolfo Amoedo e Desenho com o próprio Souza Lobo, quem lhe arranjara a vaga. Também recebe orientações em Desenho com José Maria de Medeiros.
Nunca é demais recordar, que as últimas décadas do século XIX foram decisivas para o rumo artístico inovador e revolucionário que avançaria pelo século XX. Até mesmo no Brasil, isolado geograficamente dos grandes centros artísticos do Velho Continente, e onde as mudanças chegavam sempre a passos lentos, novos ares se tornaram bem perceptíveis nos últimos quinze anos do século XIX. A grandiloqüência neoclássica, financiada pelos impérios e monarquias, que sempre precisavam de imagens para se impor, foi cedendo espaço para uma orientação mais realista e natural, até porque, é nesse mesmo período que a República substitui a Monarquia, não só por aqui, mas em várias regiões do mundo. E nessa época, de grandes mudanças organizacionais na estrutura política, a Academia Imperial de Belas Artes se torna Escola Nacional de Belas Artes.

JOÃO BATISTA DA COSTA - O passeio
Óleo sobre tela, 32 x 42

JOÃO BATISTA DA COSTA - Trecho de paisagem com rio
Óleo sobre tela, 50 x 70

JOÃO BATISTA DA COSTA - Estudo de paisagem
Óleo sobre painel

Já em 1886, João Batista reúne um grupo de colegas para praticarem pintura ao ar livre, uma atividade que o mundo aprendeu com pioneiros da Escola de Barbizon, na França. A notícia se espalhava, e lá estavam todos a colocar cavaletes às costas e sair à caça de temas ideais. São colegas seus nesse período: Eliseu Visconti, Antônio Parreiras, Belmiro de Almeida, Pedro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva e outros grandes nomes que se tornariam caça preciosa nos mercados de arte de nosso tempo.
Conclui então o curso de Belas Artes na Academia Imperial em 1889, recebendo inclusive Medalha de Ouro por brilhante carreira naquela escola. Seus trabalhos dessa época, já se inclinavam bastante para uma veia paisagística. Importante ressaltar que não teve nenhum mestre paisagista em sua formação. Estréia na Exposição Geral de Belas Artes no Rio de Janeiro em 1890, evento que se faria presente em toda sua vida.

JOÃO BATISTA DA COSTA - Praias de Ipanema e Leblon, 1918
Óleo sobre tela, 50 x 73

JOÃO BATISTA DA COSTA - Marinha
Óleo sobre painel

JOÃO BATISTA DA COSTA - Gruta Azul
Óleo sobre tela

Casa-se em 1893 com Margarida Reboli Berna, irmã dos colegas de escola Benevenuto Berna e Heitor. As coisas caminhavam muito bem nesse período. Passa a lecionar Desenho no abrigo de menores onde foi acolhido, e em 1894, com a obra Em Repouso, ganha o Prêmio Viagem ao Exterior na Primeira Exposição Geral de Belas Artes. Esse prêmio, antes concedido na época do Império, havia sido suspenso por vários anos. Essa era a primeira edição do mesmo durante a República, e ele, João Batista, o primeiro a ser premiado. Nessa tela premiada, a figuração é colocada em segundo plano, vindo confirmar o interesse cada vez mais crescente do jovem artista pela paisagem. Com o prêmio, viaja para Paris em 1896, onde faz estudos na Académie Julien, destino quase certo de muitos estudantes de arte que chegavam à cidade. Foram períodos de muita paz. Sempre na companhia da esposa, esteve também na Alemanha e Itália, fixando estadia em Capri, onde faz novos experimentos e conhece novos artistas. Mas, é também em Capri a maior de suas desilusões. Perde a esposa e o filho prematuro, em complicações no momento de parto. Desolado e ainda mais retraído que de costume, regressa ao Brasil mesmo antes de concluir o período de sua bolsa. Nunca mais viajaria para fora do país.

JOÃO BATISTA DA COSTA - Paisagem
Óleo sobre tela, 36 x 46

JOÃO BATISTA DA COSTA - Ponta do calabouço
Óleo sobre painel, 12,3 x 31


JOÃO BATISTA DA COSTA - Parque da Aclimação, São Paulo
Óleo sobre tela, 50 x 60

A natureza já introspectiva do artista, ganha ainda mais força naqueles primeiros anos sem a esposa. Reservado e tristonho, não abandona porém o trabalho, expondo toda sua produção européia na Casa Postal da Rua do Ouvidor em 1899. Nesse período dedica-se exaustivamente à produção de retratos e firma-se ainda mais como um respeitado paisagista. Focado em sua produção mais do que nunca, expõe assiduamente nas Exposições Nacionais de Belas Artes, vindo a conquistar todos os prêmios possíveis conferidos por este Salão. Com a vida já de volta aos trilhos, casa-se pela segunda vez com Noemi Gonçalves Cruz, irmã do sanitarista Osvaldo Cruz. Com ela teve quatro filhos.

JOÃO BATISTA DA COSTA - Paisagem com casa e figura,
Óleo sobre tela, 40 x 31

JOÃO BATISTA DA COSTA - Paisagem fluvial, 1922
Óleo sobre painel, 38,3 x 56,2

JOÃO BATISTA DA COSTA - Nu de menino
Óleo sobre tela, 65 x 44

Uma série de acontecimentos na carreira profissional o consolida como um dos maiores nomes na pintura brasileira, não só ocupando várias cadeiras de ensino, mas chegando ao cargo máximo de Diretor da Escola Nacional de Belas Artes em 1915, cargo que ocuparia até 1926.
É dessa época, uma série de desavenças orquestradas por Antônio Parreiras, declarado rival. Mas, não cede a nenhuma delas, impondo seu jeito sereno e meditativo para conduzir as coisas. 

JOÃO BATISTA DA COSTA - Quaresmas, Petrópolis, 1914
Óleo sobre tela, 97 x 130

JOÃO BATISTA DA COSTA - Trecho de paisagem com rio
Óleo sobre tela,  96 x 128

JOÃO BATISTA DA COSTA - Marabá
Óleo sobre tela, 200 x 150

Muitas foram as iniciativas quando esteve à direção da Escola Nacional. Contrata um restaurador estrangeiro para formar as primeiras turmas de restauradores nacionais e recuperar um grande número de obras da pinacoteca da Escola. Faz melhorias significativas no prédio daquela instituição, como a construção de novas e amplas galerias, criação de novas turmas para aulas de escultura e modelagem, e organização de todo o patrimônio ali instalado.
Quando esteve à frente da Escola, foi formada uma legião de novos paisagistas no país, todos com forte influência do Realismo Romântico das escolas paisagísticas italianas e dos mestres de Barbizon. Em 1922, é um dos integrantes da Comissão Executiva das Comemorações do Centenário da Independência no Rio de Janeiro. É nesse período que manda executar diversas esculturas em bronze para a Escola Nacional e organiza uma grande exposição de arte, retrospectiva e contemporânea. É também por iniciativa sua, o lançamento do primeiro catálogo biográfico de todos os artistas da época. Conservador como sempre foi, recusa-se a aceitar a Arte Moderna, o que denomina como “uma anarquia a serviço dos artistas falhados”. Mas, convive e respeita movimentos como os de Portinari e Orlando Teruz.

JOÃO BATISTA DA COSTA - Trecho de paisagem com ponte, Petrópolis
Óleo sobre madeira, 24 x 36

JOÃO BATISTA DA COSTA - Descanso
Óleo sobre madeira, 30 x 40

JOÃO BATISTA DA COSTA - Nu masculino de costas
Óleo sobre tela, 1889

Quando ainda diretor da Escola Nacional, agradecendo a uma homenagem, João Batista da Costa resume sua vida em um breve depoimento:

“Devo minha carreira artística a um ato de independente rebeldia: fugindo à noitinha da casa de meus parentes na roça, quando órfão de pai e mãe; dormindo em plena mata; apresentando-me, depois de diversas fases de minha vida, entre os oito e os doze anos, ao diretor do Asilo de Meninos Desamparados, em pessoa, pedindo minha admissão nesta casa, onde me eduquei; matriculando-me na Academia Imperial de Belas-Artes, por ordem do Barão de Mamoré quando Ministro do Império; encaminhando-me na vida sem conselhos de ninguém, mas com coragem e altivez; trazia para o desempenho do cargo, para suprir todas as lacunas que pudessem existir, a minha capacidade de trabalho, meu bom-senso que nunca me abandonou, o amor à minha profissão e, sobretudo, a idéia fixa de fazer alguma coisa pela arte do nosso Brasil.”

João Batista da Costa morreu repentinamente no ano de 1926.

*****

JOÃO BATISTA DA COSTA - Auto-retrato
Óleo sobre tela, 1922

Nascimento: Itaguaí, Rio de Janeiro, a 24/11/1865
Falecimento: Rio de Janeiro, a 20/04/1926

domingo, 13 de fevereiro de 2011

DIÁLOGO


Num mundo, onde o que mais evoluiu nos últimos anos foi o sistema de comunicação, as pessoas já não encontram mais tempo para dialogar. 
São diferentes as realidades de hoje em relação aos outros tempos. Tudo evolui constantemente e muito rápido. Que a velocidade dos dias não tire do homem aquilo que é sua maior conquista, a comunicação. Independente do grau de tecnologia que venhamos a conquistar, que não deixemos de lado a mais eficiente ferramenta entre os povos: o diálogo.


Sem diálogo não existe compreensão,
existe humilhação.

Sem diálogo não existe respeito,
existe medo.

Sem diálogo não existe individualidade,
existe individualismo.

Sem diálogo não existe autoridade, 
existe arbitrariedade.

Sem diálogo não existe amor,
existe auto-proteção.

Sem diálogo não existe humanidade,
existe animalidade,
falsa sociedade.  *

* Antônio Carlos Assis Barros,
do livro: Diário de um louco sub-literato.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

TÚNEL DO TEMPO (José Rosário)

Certos fatos ou pequenos detalhes do dia são como uma espécie de gatilho para nos conduzir a lugares e coisas guardados em algum espaço da mente. Somos pescados por eles e, meio sem explicar, voltamos anos, décadas... Como por mágica, ficamos lá por um breve intervalo de tempo, recordando, revivendo, dentro do que é possível reviver e recordar. Dizem que isso é nostalgia. Analisando a morfologia da palavra, até que o sentimento ganhou mesmo um apelido correto.
Geralmente pinto ouvindo algo. É meio intuitivo! Ao entrar no ateliê, ligar o aparelho de som é tão mecânico quanto abrir as janelas. Com a música, previamente escolhida, me isolo dos barulhos externos com mais facilidade. Barulhos “novos” é que nos distraem. A música não, já conheço quase todas as notas daquilo que escolho, portanto já não me distraio mais, me concentro. Hoje, como sempre faço todos os dias, peguei algo na estante pra ouvir. “Echoes”, do Pink Floyd, uma longa faixa do álbum “Meddle”, que não ouvia faz um bom tempo. E, por capricho da minha estratégia, não me concentrei, me distraí. Imediatamente fui pescado para emoções e lugares que o corpo já não lembrava mais.

Na década de 80, Belo Horizonte era a capital do rock no país. O rápido deslanchar de bandas como Sepultura, Sarcófago, The Mist, Overdose, Witchhammer e outras, garantia à BH o título de “Bay Area” brasileira. E no aquecer daqueles anos, gravadoras surgiram, selos foram criados e lojas se abriam em todos os cantos.
Saía de minha cidade, para ir lá apenas conferir as novidades do que era lançado. Ainda não havia a internet e as notícias não tinham a velocidade de hoje. Algumas revistas mensais eram esperadas com ansiedade, mas, o que encantava mesmo, era a visita às várias lojas da Galeria Praça 7 e a ida sagrada à Cogumelo, da Augusto de Lima. Havia sempre muita emoção a cada título lançado. A arte das capas, que a cada lançamento esmerava ainda mais e a qualidade das gravações que saltava aos ouvidos a cada faixa reproduzida.
Mas, o tempo não pára, e tudo muda tão rápido. Que a internet facilitou muita coisa, não há a menor sombra de dúvida. Certamente, algo se perdeu. Encontrar os amigos, trocar novidades colhidas aqui e ali como um garimpeiro musical e socializar experiências, ficaram um pouco pelo caminho.

Ao final da faixa, já de volta aos tempos atuais, coloco mais uma música. A tela em branco ainda me espera!

JOSÉ ROSÁRIO - O gaitista
Óleo sobre tela, 50 x 60

Detalhe 1

Detalhe 2